quarta-feira, 31 de julho de 2013

Tretas dos cristãos

De um vídeo* que mostra a jornalista brasileira Raquel Sherazade a dizer disparates sobre ateísmo e religião, quero abordar um ponto que me chamou a atenção:
“Cristianismo é uma escolha pessoal e racional (…) onde até o baptismo de crianças católicas precisa de ser confirmado na idade da razão” (A propósito de uma espécie de manifestação organizada por alguns ateus contra a imposição do baptismo).
A última parte está bastante próxima da realidade. Mas normalmente a confirmação católica, também designada por crisma pode ser feita a partir dos 14 anos (deve ser essa a idade da razão a que os católicos e outros cristãos se referem), que é muito cedo para decidir que religião é que se quer seguir para o resto da vida. Sei isto porque tive uma madrinha muito católica, que até convenceu a minha mãe a baptizar-me e a mandar-me à catequese, embora eu não tenha ido longe nisso (na catequese, não fui muito além da primeira comunhão). Além disso na minha turma quase toda a gente fazia a confirmação ou crisma. Em religiões protestantes não tenho a certeza de que idades escolhem para fazer o equivalente ao crisma, mas sei que Dawkins, no seu tempo foi confirmado na Igreja de Inglaterra aos 13 anos (1), o que é ainda pior. Além de tudo isto há ainda uma religião cristã (ortodoxa) que crisma as crianças quando são ainda muito pequenas (2).
Desde quando é que o cristianismo é uma escolha pessoal a esse nível? Não é sequer uma escolha; é imposto ás crianças e adolescentes ficarem a pertencer a esta ou àquela religião porque os levaram a participar em certas cerimónias com certos procedimentos (sem eles terem idade para decidir considerando várias questões com um entendimento razoável das mesmas) dos quais muitas vezes nem percebem nada mesmo que frequentem a catequese (como é o caso do crisma ou confirmação). Muitos destes não são apenas levados a participar nisso são mesmo obrigados pelos pais ou outros familiares. Há ainda casos em que fazem porque a maioria dos amigos faz ou algo do género, o que não sendo uma imposição directa, resulta de um clima propício devido ás próprias regras (em termos de idades) da Igreja Católica, não sendo de modo algum uma escolha racional, nem mesmo relacionada com a religião em questão. Lá se vai a parte da escolha racional. E ainda que o baptismo possa ser ou não confirmado na “idade da razão”, o bebé ou a criança muito pequena não escolhe ser baptizada, não escolhe participar nessa cerimónia religiosa.
Na minha opinião, não devia sequer existir nada disso. Mesmo que só permitissem a confirmação (ou fizessem apenas o baptismo) a partir dos 18 anos (quando se é oficialmente maior de idade), por exemplo, uma pessoa pode mudar de religião aos 30, 40 anos e viver aproximadamente metade (ou mais) da sua vida com outra religião ou sem nenhuma. E não interessa se é crismado ou se só é baptizado ou nenhum dos dois. Deixa de ter qualquer significado.


*Nota: Aqui fica o vídeo:




Refs.:



2.     http://pt.wikipedia.org/wiki/Sacramento_(cristianismo)


P.S.: Se dependesse de mim, a cabra ignorante e burra seria despedida, mas não por ser religiosa, mas porque, além de ser burra e ignorante, é mal educada em directo. 

Selecção natural e doenças

Sabemos que os genes vizinhos tendem a ser herdados juntos e que alelos que não têm qualquer vantagem evolutiva podem aumentar de frequência ao apanharem boleia com os genes vizinhos que são positivamente seleccionados. Como referido anteriormente, em certos casos este fenómeno pode contribuir para a especiação quando 2 populações divergem. Mas também pode contribuir para que certas mutações prejudiciais, que estão no gene vizinho do gene benéfico, aumentem de frequência numa população, explicando porque é que algumas doenças são tão comuns nos humanos, por exemplo.
Cientistas procuraram evidências de que isso aconteceu no genoma humano.
Para verificarem se os SNP’s (single nucleotide polymorphisms) eram neutros, os investigadores usaram o seguinte raciocínio: se uma alteração em particular também é encontrada noutros animais, é provável que seja neutra, sendo bom saber que 72% dos genes de doenças humanas conhecidas foram classificadas como prejudiciais usando este método (1). Os SNP’s prejudiciais (em zonas em que se verificasse o fenómeno inicialmente descrito) deveriam ter uma frequência elevada comparados com os neutros. E foi esse o caso. Além disso, a taxa de SNP’s prejudiciais deveria ser mais elevada quanto mais próximo da região vizinha do gene positivamente seleccionado em que os genes costumam “apanhar boleia” e decrescer com a distância, pois genes mais afastados têm mais tendência a ser separados por recombinação e isso também se verificou. Ao fornecer evidência para a riqueza em variantes nocivos das regiões de boleia, os autores do estudo intitulado “Evidence for Hitchhiking of Deleterious Mutations within the Human Genome” (2) também forneceram evidência de que estas regiões são indicativos da influência de selecção positiva. O estudo é de leitura aconselhável.

Refs:


  1. http://genome.cshlp.org/content/19/9/1553.full.pdf+html
  2. http://www.plosgenetics.org/article/fetchObject.action?uri=info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pgen.1002240&representation=PDF

DNA parasítico no genoma

Elementos móveis (Alu), também designados por DNA parasítico povoam o nosso genoma e podem ser bons, maus ou indiferentes.
Considerando o que se sabe sobre estes elementos de DNA parasítico posso listar benefícios e potenciais fontes de prejuízo dos mesmos:

- Benefícios:

·        podem participar no controlo da expressão genética
·        podem ter funções estruturais
·        podem ser convertidos em genes funcionais

- Prejuízos:

·        podem causar mutações prejudiciais por “saltarem” para o meio de um gene fundamental
·        podem destabilizar o genoma por prejudicarem certas interacções físicas
·        podem gerar RNA tóxico para a célula (que deve ser manobrado por outros sistemas)

Este balanço entre “qualidades” e “defeitos” foi enfatizado na revisão por John L. Goodier e Haig H. Kazazian, Jr, publicada na revista Cell em 2008 (1). Apesar disso certos criacionistas* fazem de conta que os últimos três tópicos relativos á acção dos elementos em questão não existem. É triste.



* Nota: ver «“Junk” DNA: An Outdated Concept» (disponível em: http://www.reasons.org/articles/%E2%80%9Cjunk%E2%80%9D-dna-an-outdated-concept-part-6-of-6)


Sobre reparação do DNA, mutações e evolução

O artigo de William DeJong e Hans Degens, “The Evolutionary Dynamics of Digital and Nucleotide Codes: A Mutation Protection Perspective” (1) (o qual os criacionistas adoram citar) faz uma grande confusão ao sugerir que os mecanismos de protecção contra as mutações presentes nas células constituem um problema para a teoria da evolução, parecendo querer dizer que o que este mecanismo permite em termos evolutivos é muito restritivo, tendo que ser desligado ou ficar disfuncional, mas que por outro lado a evolução deste traria vantagem. É que isso não é bem assim. Na vida real em certas ocasiões os danos no DNA não são reparados (com o mecanismo a funcionar normalmente), o que leva ao aparecimento de muitas mutações neutras (ou pelo menos próximas disso), que são uma maioria, poucas vantajosas e algumas prejudiciais. E assim, podemos determinar a taxa de mutações, por exemplo contando as mutações que ocorreram entre gerações. Estas mutações são uma mais valia para a evolução, que parece funcionar muito bem (reparem nas experiências de Richard Lenski). Portanto, se eu tivesse que classificar este artigo numa escala de 0 a 10 eu atribuía-lhe um 2. Está muito desligado da realidade biológica.  

Quanto à evolução do mecanismo, os cientistas sabem como ocorreu. P. J. O’Brien teve um artigo seu publicado em 2006 (Chemical Reviews) intitulado "Catalytic promiscuity and the divergent evolution of DNA repair enzymes", onde trata desse assunto e é citado num artigo de revisão sobre a evolução, através da promiscuidade enzimática, de funções que podem ser melhoradas (através de mutações) e vantajosas (referência 11) (2). É basicamente isto: as enzimas vão de especialista a generalista e de generalista a outro especialista.

Nota: Chamo a atenção para o facto do artigo de William DeJong e Hans Degens não apoiar o design inteligente.


Refs:




P.S.: O Sérgio (Mats) disse uns quantos disparates num texto no blog dele sobre este assunto, que tem como fonte um site criacionista: O mecanismo de reparação do ADN está de acordo com a teoria da evolução?(http://darwinismo.wordpress.com/2013/07/30/o-mecanismo-de-reparacao-do-adn-esta-de-acordo-com-a-teoria-da-evolucao/). Cada vez que o Mats escreve um texto demonstra a sua ignorância em assuntos de biologia e, neste caso particular, de biologia molecular.

terça-feira, 23 de julho de 2013

A Evolução é um processo intencional?

A resposta á pergunta acima é não. Não há intenção, não há propósito no processo evolutivo de mutações aleatórias, selecção natural e sexual e deriva genética. Como nos indica o título da obra de Richard Dawkins que se dedica a explicar o processo evolutivo, as forças evolutivas são como um relojoeiro cego: produzem resultados que aparentemente parecem ter sido o resultado de uma acção intencional, mas com uma análise mais profunda detecta-se que não são. É claro que como analogia ou metáfora, uma pista ou escolha intencional é boa para descrever a selecção natural, por exemplo, fazendo uma analogia com a selecção artificial (escolha intencional) ou, para explicar a uma criança como funciona, podemos usar a metáfora do “quente e frio” ou da escolha (intencional) das bonecas loiras ou morenas para brincar. Mas é claro que na realidade nua e crua não há intenção no processo evolutivo.
Esta questão lembra-me uma conversa que tive com um criacionista* (no blog “Darwinismo”) a quem eu tentei, durante essa conversa, explicar a diferença entre a evolução com e sem selecção natural com a metáfora do “quente e frio”, como se ele tivesse 6 anos. Mas o criacionista em questão nem assim conseguiu perceber nada e ao responder só disse disparates como, por exemplo, que nesse caso também intervinha quem fabricou a pulseira e quem dava as instruções e que eram ambos agentes inteligentes. É triste. É muito triste que ele nem consiga perceber uma explicação que normalmente se dá a uma criança. O QI desse criacionista deve ser muito baixo, o que, associado à má vontade e à desonestidade, torna inútil qualquer tentativa de comunicação. Assim, é quase impossível melhorar a compreensão da pessoa.

Voltando á intencionalidade na evolução: é exactamente por não existir intencionalidade na evolução, ou seja, por não termos sido concebidos com um propósito que as pessoas religiosas tiveram que continuar a acreditar no criacionismo e que o reciclar para fazer a versão design inteligente. É que o facto da evolução não ser intencional e funcionar tão bem como funciona, torna a ideia de um deus criador desnecessária e explica muito bem como as coisas ocorreram, ao passo que “deus fez” no fundo não explica nada.  

*Nota: O criacionista em questão assina "jephsimple" (seguir hiperligação).

A Evolução do Besouro Bombardeiro (Brachynus crepitans)


O Besouro Bombardeiro (Brachynus crepitans) evoluiu um eficaz mecanismo de defesa contra predadores que consiste resumidamente no seguinte: químicos misturam-se para causar uma explosão (na realidade várias) e são expelidos por dois tubos localizados na parte posterior do corpo. O líquido é disparado a temperaturas que podem atingir os 100º Celsius para afastar a maior parte dos predadores.

Vários autores têm vindo a desvendar a sequência evolutiva até ao mecanismo actual desde 1970:

1) Insectos produzem quinonos para proteger a sua pele. Quinonos tornam-nos desagradáveis para predadores, então os insectos evoluem para produzirem mais e mais deles como defesa química, incluindo hidroquinonos.

2) Os predadores desenvolvem resistência aos quinonos, o que faz os besouros adquirirem ainda mais quinonos, num círculo vicioso - co-evolução.

3) Os insectos evoluem depressões para armazenamento e músculos para ejectá-los na superfície quando são ameaçados. A depressão torna-se um reservatório com glândulas secretoras fornecendo hidroquinono. Essa configuração existe em muitos besouros, incluindo parentes do besouro bombardeiro (Forsyth 1977).

4) Peróxido de hidrogénio é misturado com os hidroquinonos. Catalases e peroxidases aparecem junto com a saída do reservatório, assegurando que mais quinonos apareçam no produto expelido.

5) Mais catalases e peroxidases são produzidas, gerando oxigénio e produzindo uma pequena descarga, como no besouro bombardeiro Metrius contractus (Eisner et al. 2000).

6) À medida que a passagem de saída se torna uma sólida passagem, ainda mais catalases e peroxidades são produzidas, gradualmente até os besouros bombardeiros chegarem ao estado actual.

É um sistema de defesa muito complexo que, mais uma vez, evoluiu por vias adaptativas.

Refs.:

Dettner, Konrad, 1987. Chemosystematics and evolution of beetle chemical defenses. Annual Review of Entomology 32: 17-48.

Eisner, Thomas, 1970. Chemical defense against predation in arthropods. In Sondheimer, E. & J. B. Simeone, Chemical Ecology, Academic Press, NY, pp. 157-217.

Holldobler, Bert & Edward O. Wilson, 1990. The Ants, Bleknap Press, MA.

Kanehisa, Katsuo & Masanori Murase, 1977. Comparative study of the pygidial defense systems of carabid beetles. Appl. Ent. Zool., 12(3): 225-235.

Eisner, Thomas, D.J. Aneshansley, M. Eisner, A.B. Attygalle, D.W. Alsop, J. Meinwald, 2000. Spray mechanism of the most primitive bombardier beetle (Metrius contractus). Journal of Experimental Biology 203: 1265-1275.
(Resumo: http://jeb.biologists.org/cgi/content/abstract/203/8/1265; artigo completo: http://jeb.biologists.org/cgi/reprint/203/8/1265.pdf)

(Via “TalkOrigins” - http://www.talkorigins.org/faqs/bombardier.html#Forsyth1970)


Nota: No blog do Mats (“Darwinismo”), este continua a espalhar que o besouro bombardeiro não pode ter evoluído. Isso é mentira, como um comentador apontou, apontando as várias etapas (que eu verifiquei no “TalkOrogins” para este texto). Parece que os criacionistas ainda estão mais atrasados do que pensei ao princípio quando li o texto e o comentário: são 43 anos de atraso científico.

Evolução de cromossomas sexuais


Tal como os animais, algumas espécies de plantas evoluíram a determinação sexual por cromossomas, em vez de, por exemplo, o sexo ser controlado pela temperatura. Uma dessas espécies foi a planta Silene latifolia, que tem cromossomas sexuais bastante jovens (10 a 20 milhões de anos) em comparação com os dos mamíferos (160 milhões de anos) e bastante diferentes dos que encontramos em mamíferos, em que o X é grande e o Y é pequeno e com menos genes. Neste caso, os cromossomas têm um aspecto bastante semelhante
Bergero (et al) realizou um estudo (intitulado “Expansion of the Pseudoautosomal Region and Ongoing Recombination Suppression in the Silene latifolia Sex Chromosomes.”, publicado já em 2013), o qual tinha como alvo as regiões sexo-específicas do cromossoma e as restantes, pseudo-autossómicas (que trocam material genético com o outro cromossoma sexual ao contrário das sexo-específicas) dos cromossomas sexuais da Silene latifolia, bem como a comparação destes com a mesma região de uma espécie relacionada, mas sem cromossomas sexuais (Silene vulgaris).
Algumas das descobertas foram: que os genes homólogos aos sexo-específicos se encontram numa só localização, sugerindo que os cromossomas sexuais evoluíram a partir de algo semelhante; que na região que não é sexo-específica reside em duas regiões únicas no cromossoma homólogo ao cromossoma sexual; que a troca de genes está em prestes a parar – já se estão a acumular diferenças entre os cromossomas X e Y.

Ref.:

Genetics. 2013 Jun 7.
Expansion of the Pseudoautosomal Region and Ongoing Recombination Suppression in the Silene latifolia Sex Chromosomes.

Bergero R, Qiu S, Forrest A, Borthwick H, Charlesworth D.


(Via “Panda’s Thumb” - Young sex chromosomes are very active)

domingo, 21 de julho de 2013

O Deísmo e o Evolucionismo Teísta


Um evolucionista teísta (que normalmente é católico ou anglicano e raramente evangélico) tipicamente, apesar de não existir um consenso nos detalhes, acredita que o seu deus criou o universo (antevendo o aparecimento de vida inteligente) e simplesmente deixou-o evoluir por si próprio, inclusivamente a nível da evolução biológica. Esta crença está muito próxima da visão deísta do mundo, na qual deus fez exactamente isso. Eles usam o termo “deus” para designar um ser inteligente capaz de proporcionar um universo assim, mas pelo que eu sei não o veneram e não utilizam esse ser para explicar ocorrências naturais, a existência de mitos de ressurreição ou coincidências quotidianas nem afirmam ter uma relação pessoal com ele, ao contrário dos cristãos evangélicos e, relativamente a alguns pontos, dos católicos e fiéis da Igreja de Inglaterra. Mas quanto aos dois últimos a sua posição é muito próxima do deísmo. Basicamente, para estes, deus só voltou a intervir quando o Homem (Homo sapiens sapiens) já existia. E não são do tipo de atribuir todas as pequenas coincidências quotidianas a deus e de apoiar cada acção e cada opinião na Bíblia. Há até católicos que acreditam na ressurreição espiritual de Jesus e não na sua ressurreição física. Até mesmo alguns cristãos evangélicos, como por exemplo Francis Collins, mantêm uma posição semelhante e outros cientistas que estudaram sobre o mundo natural, sobre a nossa evolução e que aceitaram as evidências que lhes apresentaram, mas não conseguiram largar a religião ou mais tarde precisaram de uma espécie de bengala para lidarem com certas situações de perda e escolheram a opção religiosa que melhor conheciam.

Penso que esta tendência para se afastarem da ideia de um deus pessoal que intervém na natureza, isto é, no mundo físico (teísmo) foi despoletada pelo nível mais elevado de conhecimento científico, pois a ciência veio refutar supostas intervenções divinas, como por exemplo, a arca de Noé, a criação de Adão e Eva e a queda subsequente. É normal que quem é inteligente e tem alguma educação queira que aquilo em que acredita esteja (dentro daquilo que lhe é suportável) de acordo com a ciência, a qual funciona através de um método que é o melhor para se obter conhecimento do mundo em que vivemos. E a Igreja Católica fez isso. E a Igreja de Inglaterra também. Até houve um pedido de desculpa a Darwin, entretanto (que vale o que vale, ou seja, nada). Muito sinceramente, este tipo de ideias não me incomoda. O que me incomoda verdadeiramente é o fundamentalismo, pois só gera ignorância e desonestidade.

Top 5 dos argumentos criacionistas


Os meus 5 argumentos criacionistas preferidos são os seguintes:

- «A datação por carbono 14 não serve para determinar a idade da Terra (ou desta ou daquela rocha)» – talvez por isso sejam usados outros métodos melhores de datação radiométrica para fazer essas datações.

- «A evolução não pode ser testada/provada» – uma mentira descarada. Vejam os fósseis, incluindo os fósseis de transição e leiam sobre genética molecular e genética de populações.

- «O olho humano não pode ter evoluído porque é muito complexo (complexidade irredutível)» – o olho humano é uma de várias etapas da evolução a partir de células foto-sensíveis, que se foram especializando ao longo do tempo. Mais ainda: o olho evoluiu várias vezes ao longo do tempo, o que significa evolução convergente devido a pressões selectivas semelhantes.

- «Porque é que ainda há macacos se nós evoluímos a partir deles» - Nós não evoluímos a partir de macacos. E já agora, porque não isto: “ Porque é que ainda há ingleses se os Americanos vieram de Inglaterra?" Próximo!

- «Evolução é acaso. Isto é muito complexo para ter aparecido por acaso» - Esqueceram-se da selecção natural. Comem muito queijo estes criacionistas.

Aqui fica um vídeo com 10 argumentos frequentemente usados pelos criacionistas (desmantelados):



Os 5 que eu mencionei anteriormente estão todos incluídos no vídeo.

Olho humano vs câmara fotográfica


Descobri na internet* (como é costume) um texto que dizia o seguinte: «Se houvesse uma comparação entre uma câmara fotográfica e a visão humana, quantos megapixels nossa visão teria? Ela teria 341.5 megapixels.» Este número, de acordo com o texto, é bastante superior ao das câmaras fotográficas actuais.  

Mas para chegar a este resultado é preciso fazer umas pequenas contas. E o texto continua: «Manuel Menezes de Oliveira Neto, doutor em Ciência da Computação e professor da UFRGS, explica que, através de movimentos rápidos, o olho faz uma varredura da cena de modo contínuo e envia essas informações ao cérebro, que as combina e compõe as imagens. Para cada grau do campo de visão, o olho faz 77 “ciclos”. Oliveira diz que, segundo a metodologia de um estudo publicado no Journal of Comparative Neurology, são necessários dois pixels para definir um ciclo, totalizando – na complicada matemática da visão – 154 pixels para cada grau do campo de visão.

Assim, por exemplo, se considerarmos a imagem percebida por alguém que observa uma cena com um campo visual de 120 graus tanto na horizontal quanto na vertical, teríamos: 120 x 154 x 120 x 154 = 341.5 megapixels.» Mas o problema é que nós só vemos uma faixa central estreita da imagem com nitidez (enquanto que uma máquina dá imagem nítida em toda a imagem. Houve quem apontasse isto e usasse nos cálculos um valor de 8 graus, o que dava um valor de apenas 1,5 megapixels. Até está bom (para biologia), mesmo assim. Mas ao fim de milhões de anos de selecção natural a filtrar as mutações genéticas mais úteis aos indivíduos, isto não é surpreendente.

Ainda que o resultado fosse algo como 341.5 megapixels isso nada nos diz quanto á questão sobre a evolução do olho, portanto não serviria de nada a nenhum movimento religioso anti-evolução espalhar isso por aí. Seria apenas mais uma curiosidade sobre o corpo humano. E não seria de todo surpreendente, pelo que eu sei sobre a eficácia do processo evolutivo, especialmente da selecção natural, que é até usada no design de certos equipamentos (Richard Dawkins, “O relojoeiro cego”) e na qual foram inspirados os algoritmos genéticos, utilizados em problemas de optimização.


* Nota: o original é este:
Qual a resolução em megapixels do olho humano? (http://super.abril.com.br/blogs/oraculo/qual-a-resolucao-em-megapixels-do-olho-humano/), mas o Mats copiou o texto e o título na íntegra, sem sequer verificar se estava tudo certo (aqui: Qual a resolução em megapixels do olho humano?)

terça-feira, 16 de julho de 2013

Filogenética: Ferramentas Online Básicas (reeditado) (Adenda)

No texto anterior (com o título indicado) afirmei que "Vai aparecer uma evidencia da evolução, que são as semelhanças que vemos no alinhamento que sugerem que os genes/proteínas estão relacionados", mas note-se a palavra sugerem, pois para se considerar que existe evidência (num sentido mais estrito) que apoie uma hipótese é necessário realizar testes que permitam distinguir entre 2 hipóteses, por exemplo, relativamente à ancestralidade comum: acaso e ancestralidade comum. O Douglas Theobald (1) deu exemplos de testes que se podiam fazer relativamente a essas 2 hipóteses quando testou a hipótese da ancestralidade comum universal. 

P.S. Se alguém que perceba do assunto quiser corrigir alguma coisa está à vontade (eu estou no segundo ano da faculdade e não sei tudo). Mas se algum criacionista que não perceba nada do assunto resolver dar palpites só porque precisa de embirrar com alguma coisa nem vale a pena comentar. 

Ref.:

http://theobald.brandeis.edu/pdfs/Theobald_2010_Nature_all.pdf 

As mentiras dos criacionistas

As mentiras dos criacionistas no site “Evolution News and Views” são algo de inacreditável - tiveram o descaramento de afirmar o seguinte: "The real science stopper is Darwinism. It focused only on protein-coding genes and dismissed everything else as “transcriptional noise” or “junk DNA”", entre outras mentiras. São desprezíveis. Não há nenhum cientista sério que despreze a parte não codificante do genoma e diga que é tudo lixo. Ainda bem que existem pessoas atentas a estas mentiras descaradas e que têm a paciência de as desfazer, como aconteceu nos comentários ao texto “How the IDiots view genome research” no “Sandwalk” (sigam a hiperligação).

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Rearranjo de cromossomas e especiação


As espécies que observamos actualmente (incluindo os humanos) são o resultado de eventos sucessivos de especiação ao longo do tempo, que é um fenómeno que tem sido investigado desde o tempo de Darwin, que apontou como um dos mecanismos responsáveis a selecção natural. Mas o estudo dos mecanismos que levam á especiação continua.

Um estudo intitulado “Recombination Rates and Genomic Shuffling in Human and Chimpanzee – A New Twist in the Chromosomal Speciation Theory” (Molecular Biology and Evolution) tem como propósito avaliar uma hipótese proposta em vários outros estudos, na qual rearranjos nos cromossomas (exemplos de rearranjos são inversões e translocações) reduzem o fluxo genético e contribuir potencialmente para a especiação pela supressão da recombinação. De acordo com o modelo de “supressão da recombinação” os rearranjos teriam um efeito reduzido na aptidão (“fitness” – que se refere á capacidade de sobreviver para se reproduzir com sucesso), mas iriam suprimir a recombinação, reduzindo o fluxo genético, o que levaria á acumulação de incompatibilidades. Novos polimorfismos podem assim acumular-se num grupo de indivíduos e não noutro. Com o tempo isso pode levar á especiação.

No artigo referente a este estudo, os autores afirmaram que os dados fornecem evidências de taxas de recombinação baixas em regiões do genoma que sofreram rearranjos durante a evolução do humano e do chimpanzé, em contraste com as restantes regiões que apresentavam taxas mais elevadas.

Este estudo foi uma óptima contribuição para a compreensão da origem de novas espécies de primatas.


Ref.:

- Farré M, Micheletti D, Ruiz-Herrera A (2012) Recombination Rates and Genomic Shuffling in Human and Chimpanzee – A New Twist in the Chromosomal Speciation Theory. Mol Biol Evol 30(4):853-864 (disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3603309/)


domingo, 14 de julho de 2013

Science really works, bitches!

Richard Dawkins no seu melhor:


Evolução de baratas

Actualmente existem cerca de 4000 espécies de baratas que têm diversos habitats (florestas, desertos,…) e apenas 1% das baratas vivem entre os humanos, encontrando-se apenas uma espécie a viver exclusivamente entre humanos e em construções humanas: a barata alemã (Blattella germanica).
Em 1980, fabricantes começaram a fazer iscos de baratas com glicose (doce) combinado com insecticidas mortais. Em 1993, muitas populações de baratas de alguma forma desenvolveram uma aversão ao isco. Agora, 20 anos depois, em 2013, os cientistas finalmente entendem como as baratas venceram essas armadilhas.
Acontece que a glicose faz disparar os receptores amargos dos insectos. Esta característica espalha-se rapidamente pela população pois quem sobrevive ao veneno é quem vive para se reproduzir, espalhando assim os seus genes. Alguns cientistas colocaram uma hipótese em que as mudanças no sistema gustativo periférico são responsáveis ​​pela aversão á glicose. Em ambos os tipos de baratas – tipo selvagem e com aversão á glicose (GA), a D-frutose e a D-glicose estimulavam os neurónios receptores gustativos de açúcar (GRNs), enquanto que a cafeína estimulou os receptores amargos. Em contraste, nas GA, a D-glicose também estimulou os receptores amargos e suprimiu as respostas á outra estimulação. Assim, a D-glicose é processada tanto como um um estimulante para morder o isco, como um “alerta” para as dissuadir de comerem o isco. Nas GA, esta capacidade recém-adquirida provocou a evasão das baratas ao veneno em várias populações de baratas alemãs. (1) Mais um exemplo de evolução por selecção natural.
Coby Schal, um entomologista urbano na Universidade Estatal da Carolina do Norte (E.U.A.) e co-autor do estudo onde a hipótese anteriormente mencionada foi proposta comentou a situação do seguinte modo: “Quando arranjamos qualquer coisa, elas arranjam uma adaptação para sobreviver.” (2)


Por puro gozo fui ver o que os criacionistas disseram no AIG e, tal como eu previa, eles disseram que continuavam a ser baratas (what else is new?) e que isso não era evolução de moléculas para pessoas (3). De moléculas para pessoas não, mas o mecanismo básico, por exemplo de peixes para pessoas é o mesmo: selecção natural. «Mas continuam a ser baratas!» E o que é que queriam que fossem? Passarinhos?


Referências:


  1. http://www.sciencemag.org/content/340/6135/972
  2. http://io9.com/how-pesticides-pushed-cockroaches-into-rapid-evolution-509398746
  3. http://www.answersingenesis.org/articles/2013/06/01/conquering-cockroaches

Evolução: Domesticação de Raposas Prateadas


Lembram-se do livro de Richard Dawkins, “The Greatest Show on Earth: The Evidence for Evolution”? Um dos assuntos abordados foi a selecção das raposas prateadas (Vulpes vulpes) mais mansas numa experiência que decorreu na Rússia durante 40 gerações (1), levada a cabo por Dmitry Belyaev, o que resultou, além das alterações no comportamento, em alterações morfológicas que fizeram as raposas parecerem-se com cães (orelhas descaídas, caudas reviradas, entre outras). Penso que isto encaixa naquilo que se designa normalmente por evolução convergente (em relação aos cães). Aparentemente, os cientistas não seleccionaram para os traços morfológicos, tendo estes surgido devido a efeitos pleiotrópicos, pois hormonas envolvidas no comportamento estão também envolvidas nas vias de desenvolvimento embrionário, pelo que seleccionar para um comportamento diferente pode alterar as vias de desenvolvimento associadas ás mesmas hormonas (1, 2).
Após 10 gerações de selecção, 17,8% das raposas tinham comportamentos semelhantes a cães (“elite domesticada”), após 20, 35% das raposas tinham esse tipo de comportamento, após 30 gerações, as raposas com comportamento de cão constituíam 49% da descendência e em 2004 já ia em 70%. É de notar que a selecção foi elevada a um extremo (1).
A base genética das mudanças comportamentais é provavelmente aditiva, uma vez que crias do cruzamento entre indivíduos da linhagem experimental resultante de selecção artificial (mansas como cães) e indivíduos de uma linhagem que não resultou de selecção artificial tinham comportamento intermédio (3).
Esta experiência é boa para ilustrar o que a selecção natural pode fazer a uma população. A selecção (artificial e natural) aumenta a frequência de uma dada característica seleccionada ou gene seleccionado, por vezes até esta estar presente em 100% dos indivíduos de uma população. É de notar que um gene nem sempre corresponde a apenas uma característica e vice-versa.

Referências:

1. “An Experiment on Fox Domestication and Debatable Issues of Evolution of the Dog”, L. N. Trut, Russian Journal of Genetics, Vol. 40, No. 6, 2004, pp. 644–655. Translated from Genetika, Vol. 40, No. 6, 2004, pp. 794–807 (disponível em: http://cbsu.tc.cornell.edu/ccgr/behaviour/04_Recent_Publications/Trut_genetika04.pdf)
2. “Early Canid Domestication: The Farm-Fox Experiment”, Lyudmila N. Trut (disponível em: http://155.97.32.9/~bbenham/2510%20Spring%2009/Behavior%20Genetics/Farm-Fox%20Experiment.pdf)
3. “Selection for tameness has changed brain gene expression in silver foxes”, Julia Lindberg et al, Current Biology, Volume 15, Issue 22, R915-R916, 22 November 2005 (disponível em: http://www.cell.com/current-biology/retrieve/pii/S0960982205013278)

terça-feira, 9 de julho de 2013

Artigos científicos credíveis que apoiam o design inteligente são raros na literatura científica (ou talvez inexistentes)



Resolvi pesquisar por artigos científicos, publicados em revistas científicas, passando por revisão de pares rigorosa e imparcial, que indubitavelmente apoiam a “teoria” do design inteligente da vida.
O sítio melhor para começar é a lista do Discovery Institute intitulada “Scientific Publications Supportive of Intelligent Design Published in Peer-Reviewed Scientific Journals, Conference Proceedings, or Academic Anthologies” que aparece neste endereço: 
http://www.discovery.org/a/2640. Inicialmente excluí artigos publicados nas revistas geridas por criacionistas devido ao problema da imparcialidade e da rigorosidade das revisões (Bio-Complexity e International Journal of Design & Nature and Ecodynamics), bem como livros de divulgação, um vez que estes não têm o mesmo nível de revisão por pares que tem um artigo. De seguida avancei para os restantes candidatos dessa lista. Entre as dezenas de artigos listados, apenas 9 (salvo erro na contagem) possivelmente correspondem ao que indiquei no início e apoiam inequivocamente o design inteligente. Dos artigos científicos listados recomendo a leitura dos seguintes: Michael J. Behe, “Experimental Evolution, Loss-of-Function Mutations, and ‘The First Rule of Adaptive Evolution,’” The Quarterly Review of Biology, Vol. 85(4): 1-27 (December 2010), que é bastante informativo e este: Douglas D. Axe, “Extreme Functional Sensitivity to Conservative Amino Acid Changes on Enzyme Exteriors,” Journal of Molecular Biology, Vol. 301:585-595 (2000), que é bastante interessante. Nenhum destes artigos apoia o design inteligente (nem os resultados do último apontam para essa hipótese).
Achei o resto dos artigos científicos muito mal conseguidos (mesmo os que não apoiam o design inteligente), daí eu afirmar (no título) a minha dúvida quanto ao facto de não existir nada como aquilo que eu tentei descobrir, pois os artigos eram tão maus (principalmente os que apoiavam o design inteligente) que duvido que a revisão de pares tenha sido rigorosa e imparcial.


Para mais detalhes sobre a minha análise superficial e para hipeligações e endereços para os artigos, revisões críticas dos artigos e comentários feitos por outros cientistas, deve ser consultado este anexo: Anexo do texto “Artigos científicos credíveis que apoiam o design inteligente são raros na literatura científica (ou talvez inexistentes)”
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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Filogenética: Ferramentas Online Básicas (reeditado)

    • Pesquisa de homólogos:

    http://blast.ncbi.nlm.nih.gov/Blast.cgi?PROGRAM=blastp&BLAST_PROGRAMS=blastp&PAGE_TYPE=BlastSearch&S - Usar o accession number (e indicar a base de dados) ou a sequência em formato FASTA – exemplo: P09405; base de dados: Swiss-Prot. Seleccionar o algoritmo: blastp (proteína-proteína). Seleccionar o número máximo de sequências a apresentar.
    Após realizar a pesquisa deve-se clicar no accession number para aceder à sequência.

    • Alinhamento de sequências e construção da árvore filogenética:
    1. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/nuccore/x01714 - sequências (genéticas) em formato FASTA

    (ou http://www.uniprot.org/batch/ para proteínas no mesmo formato e noutros)

    2. http://www.phylogeny.fr/version2_cgi/one_task.cgi?task_type=clustalw – alinhamento das sequências pelo clustalw

    3. http://www.ebi.ac.uk/Tools/phylogeny/clustalw2_phylogeny/ - construção da árvore filogenética com o clustalw 



    Notas: 

    Vai aparecer uma evidencia da evolução, que são as semelhanças que vemos no alinhamento que sugerem que os genes/proteínas estão relacionados, relacionando assim (no caso dos ortólogos) também as espécies de onde estes vieram. A árvore filogenética serve para ver exactamente como é que eles estão relacionados.  
    É ainda necessário considerar durante um processo de investigação a possibilidade de evolução convergente. Não é algo de muito frequente a nível molecular, mas acontece.  
    Na minha área, uma das aplicações da filogenética é no campo da virologia, que nos pode ajudar a construir a história evolutiva dos vírus em vários pacientes que recebem tratamento anti-viral.

    P.S. Esclarecimento: na nota acima, anteriormente, tinha (sem querer) dado a entender que quando se faz uma análise filogenética já se parte do pressuposto que as semelhanças são devidas à ancestralidade comum, o que não está correcto. A homoplasia é tida em conta, ao ponto de se adoptarem estratégias (por exemplo, o uso de vários loci – abordagem filogenómica) para atenuar esse problema. No entanto, a homoplasia molecular não é muito frequente (como eu também referi), embora também não se assuma tal coisa ao construir árvores filogenéticas. 

A segunda lei da termodinâmica (como de costume) (Adenda)

No texto com este mesmo título (“A segunda lei da termodinâmica (como de costume)”) referi-me ao aumento de entropia no Universo de um modo geral, mas não é necessário ir tão longe:

- Mesmo que a evolução provoque uma diminuição na entropia: o fluxo de entropia por segundo, ou seja o fluxo da absorção da energia solar e a libertação da radiação para o espaço total da Terra, é um trilião de vezes superior à diminuição da entropia devida á evolução, isto é, a própria Terra “compensa” isso.

Criacionismo = Fail.

Ref.:

- Styer DF (2008) Entropy and evolution. Am J Phys 76(11):1031-1033. (disponível em: http://www.fisica.net/epistemologia/STYER_Entropy_and_Evolution.pdf) (via Panda’s Thumb, P. Z. Myers)



P.S.: Quem teve Física e Química no secundário provavelmente tem bases para compreender o artigo publicado no American Journal of Physics.  

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Evolução e sequências Fibonacci

O girassol (Helianthus annuus) é uma inflorescência, ou seja, é constituído por mais do que uma flor, mas funciona como um todo e parece que é apenas uma. É constituído por flores estéreis na parte mais exterior e no interior por flores hermafroditas. Estas últimas desenvolvem-se de baixo para cima, organizadas de acordo com a famosa sequência Fibonacci. Em termos selectivos, um cenário possível é que este padrão permite conter muitas flores em menos espaço (a organização mais eficiente) (1), o que pode trazer obviamente alguma vantagem selectiva, contribuindo para aumentar o sucesso reprodutivo.
Ao nível dos genes envolvidos na evolução do padrão do girassol, o gene HaCYC2c, do tipo CYC (classe TCP de factores de transcrição) é importante no desenvolvimento da simetria floral. A perda de função desse gene vai também permitir que as flores estéreis passem a hermafroditas (2, 3). Como nos animais, os genes envolvidos em mudanças na simetria e planos corporais são factores de transcrição envolvidos no desenvolvimento.

Isto é péssimo para os criacionistas que pensam que o fenómeno das sequências Fibonacci é devido á vontade do seu deus particular.  

Referências:

1.     Introduction to landscape design - Google Books. Motloch, John L (2000-08-25). 

Evolução e números primos


O género Magicicada é constituído por espécies que durante especificamente 13 ou 17 anos (números primos) desenvolvem-se no solo, passando por 5 etapas de desenvolvimento larvar e alimentam-se de fluidos de raízes durante esse período. Estes insectos são designados em linguagem corrente por cigarras. Após o período de desenvolvimento, as cigarras acasalam (e cantam) durante apenas algumas semanas. As Fêmeas põem os ovos e de seguida os progenitores morrem. Os ovos eclodem para substituir a geração anterior.
Uma explicação evolutiva com pouco detalhe é que os períodos em torno dos números primos são devidos ao facto disso limitar a oportunidade dos predadores de sincronizarem com as cigarras (1). Os cientistas procuraram uma resposta para o facto dos períodos serem exactamente de 13 ou 17 anos (2). Os investigadores Koenig e Liebhold analisaram 45 anos de dados da “North America Breeding Bird Survey” e verificaram que a população de pássaros, que se alimentam de insectos, tende a decrescer durante os anos em que estas emergem. Uma boa explicação para todas estas observações é que de acordo com o ciclo das cigarras ocorram alterações na floresta a longo termo que provoquem a diminuição do número de pássaros ao fim de 13 ou 17 anos, como por exemplo a grande quantidade de insectos mortos que pode fertilizar o solo, levando ao crescimento de mais vegetação, o que pode a longo termo ser prejudicial aos pássaros. São necessários mais estudos relativamente ao assunto.
Diferentes espécies desenvolveram diferentes ciclos de 17 ou de 13 anos. Os 3 grupos de espécies existentes experienciaram pelo menos um episódio de divergência em ciclo de vida desde a última era glaciar. A hipótese levantada por alguns cientistas (3) é que, apesar de origens independentes, os 3 grupos de espécies alcançaram as suas distribuições coincidentes actuais porque a sincronização do ciclo de vida de congéneres invasores para a população residente permitiu escapara aos predadores. As divergências no ciclo de vida repetidas, suportadas pelos dados, sugerem uma base genética comum para os 2 ciclos de vida nos 3 grupos de espécies. 
É assim que se faz: primeiro investiga-se e depois tiram-se conclusões (e não o contrário). E se for necessário ainda mais esclarecimento sobre o assunto, continuam-se os estudos (como espero que seja o caso).  

Referências:


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Evolucionismo teísta: a adaptação do cristianismo á ciência moderna (Adenda)

Alguns evolucionistas teístas propõem que deus é responsável por algumas mutações genéticas, sendo a sua acção imperceptível. Li um texto que critica essa posição, «O Melhor Argumento para o “Evolucionismo Teísta”» (http://haeckeliano.blogspot.pt/2013/05/o-melhor-argumento-para-o-evolucionismo.html), pelo biólogo Fábio Machado. Este chama a atenção para a irrelevância da intervenção divina para «entender qualquer padrão geral» e para o facto de não existirem evidências de que isso alguma vez aconteça ou tenha acontecido (a hipótese não é testável). A Teoria da evolução é compatível com a intervenção do tipo de deus aqui descrito (que está muito longe da versão tradicional do deus judaico-cristão), no entanto limita o seu escopo à irrelevância. É claro que esta posição é totalmente anti-científica, pois é baseada em fé e não em evidências, não havendo sequer a possibilidade de ser testada. 

Actualização

O máximo que se pode fazer em relação a isto é recorrer à regra da parcimónia: os mecanismos básicos da evolução - mutações aleatórias, deriva genética e selecção natural funcionam bem para explicar o que observamos nos seres vivos (*) e se os mesmos mecanismos + deus também funcionam bem, a hipótese mais parcimoniosa (a) seria a primeira, ou seja, a hipótese sem deus seria a escolhida em vez da outra (b). É realmente possível que isso aconteça, assim como também é possível que existam duendes microscópicos e não-detectáveis a guiar o funcionamento de cada célula de cada ser vivo, mas se pelo que sabemos isso não é necessário, então não vale a pena incluir deus nem os duendes dos genes ou as fadas das proteínas.  
Depois de todas estas considerações, tenho ainda a dizer que isto nem sequer é um argumento a favor do evolucionismo teísta, mas sim a favor da compatibilidade entre a teoria da evolução e a intervenção divina nas nossas origens e no mundo vivo. Ainda assim, a regra da parcimónia faz com que a hipótese de que deus intervenha desse modo não seja a preferida. 

* Nota: Uma mutação benéfica ou neutra num determinado contexto é perfeitamente possível que ocorra naturalmente - por exemplo, no caso das bactérias e da resistência aos antibióticos não faz sentido ser um deus benevolente a provocá-las e ainda assim elas acontecem (assim como não faria sentido um deus malevolente proporcionar mutações benéficas aos seres humanos). Nem faria sentido permiti-las, sequer.      

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a.) Um texto bastante bom sobre parcimónia: http://ktreta.blogspot.pt/2011/09/parcimonia.html
b.) Uma discussão intressante sobre este assunto (que me inspirou para actualizar este texto decorreu no "Sandwalk" (esta pode ser encontrada aqui: http://sandwalk.blogspot.pt/2013/12/exan-questions-for-2nd-year-students-in.html#comment-form)

  

Evolucionismo Teísta: a adaptação do cristianismo á ciência moderna

Os cristãos (sobretudo os católicos) têm tentado adaptar o relato de Génesis sobre as origens (de onde provém o criacionismo) ao consenso científico como, por exemplo, a evolução (tanto o facto, como a teoria) e a idade da Terra de 4,5 biliões de anos, afirmando que o relato da criação divina de Adão e Eva é uma metáfora que apenas transmite o acto de deus ter criado o universo (e previsto a origem e evolução da vida na Terra). Mas não faria mais sentido se deus revelasse ao Homem o modo como a criação ocorreu para não haver confusões? Claro que sim. Além disso não me parece que o conto tenha sido escrito como metáfora, mas sim como um conto etiológico, provavelmente para explicar as origens ás crianças de um modo simples e á luz do conhecimento da época sobre o assunto (que não existia). As pessoas podem interpretá-lo como quiserem. O que acontece é que interpretá-lo como uma metáfora não faz sentido, pois só daria origem a confusões, o que não é próprio de um deus benevolente, omnisciente, omnipotente, etc. Faria mais sentido que um deus desses revelasse ao Homem exactamente como as coisas tinham ocorrido para que não se originassem as confusões que já se originaram.

 Á luz da ciência moderna, o que passa a fazer sentido é que o génesis nada tenha de factual, tal como outros contos etiológicos, pois a teoria da evolução é a hipótese que está de acordo com as observações e não o relato do génesis (ou qualquer outra invenção criacionista a partir deste). Como já deixei claro anteriormente, a interpretação da metáfora também não faz sentido. Então, o cristianismo fica sem deus criador (seja do universo, seja de Adão e Eva) e com um mito de ressurreição semelhante a outros. Na prática fica sem nada. 

«Meyer’s Hopeless Monster»

 Li (outra vez) a revisão («Meyer’s Hopeless Monster», Panda’s Thumb) do artigo de Stephen C. Meyer, “The origin of biological information and the higher taxonomic categories publicado na revista “Proceedings of the Biological Society of Washington”, por Nick Matzke, Alan Gishlick e Wesley R. Elsberry, citada neste artigo «Review: “Darwin’s Nemesis”» no site do NCSE (http://ncse.com/rncse/26/6/review-darwins-nemesis). O artigo de Meyer foi publicado, mas depois foi repudiado, devido ao facto da revisão não ter sido realizada correctamente. O artigo era suposto ser de revisão, mas Meyer foi um perfeito incompetente no que respeita à consulta e análise da literatura científica sobre a origem de novos genes e proteínas (por exemplo, por duplicação), sobre a “explosão” do Câmbrico (relativamente aos fósseis de transição existentes) e sobre função proteica (valores probabilísticos determinados mais elevados do os que Meyer refere e uso de um alvo muito restrito nas estimativas referidas – o caso da enzima defeituosa de Douglas Axe). Meyer cita Michael Denton sobre o isolamento de sequências (impossibilidade de conversão entre elas). Meyer citou uma publicação de 1986 (!?), apresentando uma posição que deixou de ser defendida por Denton (Denton, 1998), que se retratou diante das evidências moleculares a favor da evolução. Além de tudo isto, Meyer fez uso do termo CSI, mas de um modo bem distinto do original de Dembski, o que só provoca mais confusão e não contribui em nada para o esclarecimento desse assunto. Depois disto tudo, será que há ainda alguém que acha que este artigo devia ter sido publicado numa revista científica que pretenda manter a credibilidade? Se ainda há, é porque não leram o artigo de Stephen Meyer criticamente, não leram a revisão, não leram o meu texto ou não perceberam / não quiseram perceber o que leram.

Referências (fornecidas pelos autores da revisão):

Axe D. D., Foster N. W., Fersht A. R. 1996. “Active barnase variants with completely random hydrophobic cores.” PNAS 93(11):5590-4.PubMed
Axe, D. D. 2000. “Extreme functional sensitivity to conservative amino acid changes on enzyme exteriors.” Journal of Molecular Biology301(3):585-95. PubMed
Axe, D. D. 2004. “Estimating the Prevalence of Protein Sequences Adopting Functional Enzyme Folds.” Journal of Molecular Biology341(5):1295-1315. PubMed – In press: http://dx.doi.org/10.1016/j.jmb.2004.06.058
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