domingo, 30 de junho de 2013

Ancestral comum ou criador comum? (parte II)

Voltando ao chiqueiro criação vs evolução.

Como eu no texto anterior referi, Stephen Meyer está de volta (com um livro intitulado "Darwin's Doubt" ou, como o biólogo Nick Matzke  gosta de lhe chamar, "Meyer's hopeless monster, parte II"). Stephen Meyer deixou clara a sua posição num dos capítulos do seu livro: «é possível que os genes semelhantes possam ter sido criados separadamente para satisfazer necessidades funcionais semelhantes em contextos orgânicos diferentes», que pouco difere do tradicional "porque deus quis". Será que Meyer realmente acha que o designer (o deus judaico-cristão, deixem-se de tretas) brincou, por exemplo, com o genoma de uma espécie Drosophila entre milhares, produziu o sdic, colocou-o entre os dois genes que parecem ser os pedaços dos genes ancestrais, imitou o processo de mutação típico e, em seguida, fez uma redução direccionada da diversidade genética imitar a acção recente da selecção natural (1, 2)? Mesmo que se aceitasse que é possível que deus tivesse feito os genes semelhantes por causa da sua função, não explica o contexto. Além disso normalmente os genes duplicados divergem em função. Porque não fazer 2 genes que não pareçam duplicados (que não pareçam homólogos, neste caso parálogos), cada um com sua função e nada para enganar os cientistas? A resposta mais óbvia é porque não foi obra de nenhum deus, foram os processos naturais que já se sabe que produzem o efeito em questão.
A homologia (entre genes, proteínas ou estruturas anatómicas de organismos de espécies diferentes) é uma previsão da teoria da evolução. Esta foi cumprida. Mas agora os criacionistas estão todos histéricos a dizer que é devida a um criador comum. Pois... E isto: «Curiosamente, embora AIM2 seja importante na defesa contra algumas bactérias e vírus em ratos, AIM2 é um pseudogene na vaca, ovelha, lama, golfinho, cão e elefante. Os outros 13 genes de rato surgiram por duplicação e rearranjo dentro da linhagem, o que permitiu alguma diversificação nos padrões de expressão» (3). É claro que se pode dizer que os pseudogenes foram lá postos porque "deus quis" e não indicam ancestralidade comum, o que não explica rigorosamente nada e não encaixa sequer na noção de semelhança sequencial devido à semelhança funcional. 
Mais ainda: A mioglobina do molusco da califórnia Sulculus diversicolor tem uma estrutura diferente de mioglobina normal,
As 2 cadeias alfa e as 2 beta da hemoglobina
(originadas por duplicação),
cada uma ligada a um grupo heme .
mas tem uma função semelhante - ligação ao oxigénio reversível. O peso molecular de 41kD Sulculus mioglobina é, 2,5 vezes maior do que outros mioglobinas. Além disso, a sua sequência de aminoácidos tem nenhuma homologia com outros mioglobinas de invertebrados ou hemoglobinas, mas é 35% homóloga com indoleamina dioxigenase (IDO) humana. Outro exemplo é o das Hemoglobinas em vertebrados com mandíbula e peixes sem mandíbula, que evoluíram de forma independente. As hemoglobinas de ligação ao oxigénio de peixes sem mandíbula evoluíram a partir de um antepassado da citoglobina que não tem função de transporte de oxigénio e é expressa em células de fibroblastos. São dois bons exemplos de evolução convergente funcional. (4, 5) Por outro lado as hemoglobinas do chimpanzé e dos humanos são homólogas, mais semelhantes entre si do que entre qualquer uma delas e a sua homóloga no golfinho ou na baleia, tal como é de prever se a evolução correspondesse à realidade (6, 7). Com que então são iguais porque desempenham funções semelhantes de acordo com a vontade de deus, Dr Meyer? E precisam de ser iguais? No caso da hemoglobina, certamente que não. E o lixo no genoma? O deus do Stephen Meyer gosta muito de lixo genético (por isso mesmo deve gostar muito do Stephen Meyer). 


Referências:


1. http://www.oeb.harvard.edu/faculty/hartl/lab/PDFs/Ponce-06-Gene.pdf

2. http://www.sciencemag.org/content/291/5501/128.short 
3. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3458909/ 
4. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8765749
5. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2922537/
6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6639644
7. http://todd.jackman.villanova.edu/HumanEvol/WilsonKing1975.pdf 

Notas: 

1. Mais informações sobre o assunto nos arquivos do "Talkorigins" (disponível aqui: http://www.talkorigins.org/faqs/comdesc/)
2. Relativamente ao conteúdo do livro de Stephen Meyer, foi consultada a revisão pelo biólogo Nick Matzke no "Panda's Thumb" ("Meyer's hopeless monster, parte II"); as referências 1 e 2 foram encontradas através de um texto do mesmo autor no "Panda's Thumb" ("Random responses to Luskin on evolution of creationism, quotes, and information")

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