sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Dissidencias ou Derivações do Darwinismo?



Certamente muitos conhecem o documento de dissidencia cientifica do Darwinismo, anteriormente referido. No entanto, os cientistas que discordam da posição darwinista ainda são uma minoria, mesmo sendo em maior numero do que os que assinaram o documento. É de salientar que  nem todos os que são "dissidentes" do Darwinismo são criacionistas e/ou rejeitam que os factos e fenómenos apoiam a Teoria Sintética da Evolução, descartando apenas a acção de alguns processos aleatórios (embora estando demonstrada a sua influencia nos processos evolutivos) e conjecturando sobre o facto de certas modificações serem melhor explicadas pela acção de um designer inteligente. 2 exemplos deste tipo de dissidencia são os cientistas agnósticos Paul Davies - físico e astrobiólogo,  e Michael Denton - médico e bioquímico.

Paul Davies cresceu numa família cristã e criacionista., tendo-se tornado agnóstico.  A suas obras mais populares debruçaram-se sobre as condições do universo como o conhecemos e o modo como estes estão adequados á existencia e manutenção de vida - se ocorrer apenas uma modificação desprezável, esta afecta drasticamente a manutenção da nossa existencia. Este também invoca o argumento da complexidade biológica para sustentar que os processos que nos trouxeram desde a formação do universo até á actualidade são melhor esclarecidos como produto de um direccionamento.

Este afirma na sua obra "A Mente de Deus" (1992) que: "would rather not believe in supernatural events personally. Although I obviously can't prove that they never happen, I see no reason to suppose that they do.", ou seja, que não acredita pessoalmente nem tem provas de que ocorram eventos sobrenaturais. No entanto, este pensa que para o universo existir há a possibilidade de uma ocorrrencia dessa natureza, então na sua opinião existe um designer - apenas isso. Sendo os argumentos do autor baseados na hipótese do DI, quer pela complexidade irredutivel, quer pelas condições próprias do universo, esta perspectiva não passa de hipotética, pois como o próprio afirma, não há evidencias conclusivas.
A sua obra "Deus e a Nova Física" (1983) é considerada deste modo pelo revisor
Tim Radford do the guardian: "Este não é um livro sobre Deus: é um livro sobre o que era em 1983 a nova física", sendo as questões abordadas filosóficas (existenciais) relativamente á complexidade e ás condições próprias do universo desvendadas nessa época, tal como acontece relativamente á obra "A Mente de Deus". Ainda assim muitos religiosos criacionistas têm-se baseado nestas obras para invocarem bases cientificas para as suas afirmações, não conseguindo mais do que o esforço de progredir em 100x, mas o resultado de se manterem no mesmo nível de 'problema existencial'.
Os criacionistas costumam rotular Paul Davies de "ex-agnóstico que chegou a deus através da ciencia", quando as suas obras em nada relacionam objectivamente a existencia de deus com os dados cientificos - apenas de uma forma meramente filosófica . Ainda que o autor Paul Davies tenha possivelmente mudado de opinião (relativamente á citação),  tratar-se-ia de uma crença religiosa (desconheço se Paul Davies acredita em deus actualmente, mas tal não é relevante, uma vez que design inteligente é diferente de criação divina). No entanto ainda há pessoas que não conseguem separar a ciencia da religião. O deísta (e cristão) Francis Collins continua a acreditar em deus - crença pessoal - mas aceita as leis da natureza e da ciencia com imparcialidade, por exemplo, relativamente á Teoria Sintética da Evolução - evolucionismo deísta. Não há necessidade de misturar ciencia e religião.
É conhecido que Paul Davies é adepto da teoria da panspermia e não da criação divina para explicar a origem da vida na Terra, o que não contraria o conceito de macroevolução por selecção natural, embora nos trabalhos anteriormente referidos este tenha deixado em aberto a possibilidade da acção de um agente orientador.
O trabalho de Paul Davies influenciou outro cientista (e possivelmente muitos mais), no seu modo de interpretar os factos cientificos: Michael Denton. 

Na sua primeira obra contestatária da Teoria Sintética da Evolução á luz da perspectiva Darwinista, "Evolução: uma Teoria em Crise" (1986), este apresenta uma interpretação da complexidade semelhante á de Michael Behe n' "A Caixa Preta de Darwin", dando ainda enfase a outros dados, tais como o registo fóssil e a análise molecular comparativa de proteinas.      
 
As variações na estrutura de proteínas, tais como citocromo C podem ser analisadas para proporcionar uma árvore filogenética. No entanto, Michael Denton apontou na mesma obra que a diferença percentual no citocromo C foi comparativamente medida e as divergências eram aproximadamente uniformes. Por exemplo, a diferença entre o citocromo C de carpa, rã, tartaruga, galinha, coelho, e cavalo é entre 13% a 14%.
 O autor sugeriu que isso desacreditava a noção de que os peixes eram ancestrais dos sapos, que eram ancestrais dos répteis, que eram ancestrais dos pássaros e mamíferos. Se assim fosse, então não seria a diferença nas estruturas do citocromo C cada vez mais acentuada de carpa para rã, para réptil, para mamífero? Como poderiam as diferenças na estrutura do citocromo C, estarem próximas de serem "equidistantes"? O problema do argumento de Denton foi o facto de todas as espécies modernas serem “primos”. A carpa não é um ancestral de um sapo; Sapos não são ancestrais de tartarugas; tartarugas não são ancestrais de coelhos. As variações na estrutura do citocromo c estavam todos em relação ao ancestral comum destes organismos diferentes e não é surpreendente que eles mostraram um nível semelhante de divergência.  As críticas da comunidade cientifica foram na sua maioria negativas, afirmando um a má interpretação da Teoria da Evolução. Michael Denton foi mesmo apelidado de "anti-evolucionista" e "anti-darwinista" aquando do lançamento da obra supracitada. 
 Em 1998, Denton aparentemente continuou o "assalto" á Teoria da evolução com a obra "O destino da Natureza".  No entanto, nesta obra o bioquímico retrata a sua opinião cientifica e crítica.  Denton ainda aceitava o design, mas também a evolução. Ele negou que a aleatoriedade influencia os processos evolutivos e aprópria biologia dos organismos, tendo proposto uma "evolução dirigida".A vida de acordo com Denton não existia até que as condições iniciais do universo se tornaram favoráveis, existindo uma sintonia fina, o que demonstara claramente a influencia do trabalho de Paul Davies.
Denton estudou as evidencias genéticas da Teoria Sintética da Evolução e aceitou-as como válidas, tal como demonstram as citações:
  
"One of the most surprising discoveries which has arisen from DNA sequencing has been the remarkable finding that the genomes of all organisms are clustered very close together in a tiny region of DNA sequence space forming a tree of related sequences that can all be interconverted via a series of tiny incremental natural steps".

"So the sharp discontinuities, referred to above, between different organs and adaptations and different types of organisms, which have been the bedrock of antievolutionary arguments for the past century, have now greatly diminished at the DNA level. Organisms which seem very different at a morphological level can be very close together at the DNA level."

No entanto, este reflete na possibilidade do design:

"Again, as in the two cases cited above, it is hard to believe that any sort of unguided evolutionary mechanism would have realized such an unusual adaptive end."
"Just how such a different respiratory system could have evolved gradually from the standard vertebrate design without some sort of direction is, again, very difficult to envisage..."

Então, fica a questão: Tratam-se de dissidencias ou de derivações do Darwinismo? A minha resposta é: derivações. Mas fica ao critério.
Referências bibliográficas:

Denton, Michael – ‘Nature’s Destiny: How the Laws of Biology Reveal Purpose in the Universe’ - Free Press; First Edition (July 8, 1998)

Birx, H. James - Library Journal;7/1/1998, Vol. 123 Issue 12, p129 (‘Nature’s Destiny’ review)

Spieth, Philip T. (Associate Professor of Genetics, University of California, Berkeley) - Zygon, vol.

 22, no. 2 (June 1987) (Review: "Evolution — A Theory in Crisis")

Tim Radford, ‘The Guardian’ Friday 16 March 2012 – “God and the New Physics by Paul Davies – book review”


Kay, Marc “Comentary Of Paul Davies and The Mind of God” - CENTech. J., vol. 10, no. 2, 1996
  

21 comentários:

  1. Penso que o termo "aleatório" não é uma explicação. Significa apenas que algo aconteceu de uma certa maneira como poderia ter acontecido ao contrário. É uma simples constatação factual de ignorância, uma "verdade à la palisse".

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    1. Uma experiencia aleatoria é uma experiencia onde intervem o
      acaso, isto é, cujos resultados sao incertos, nao sendo
      portanto possıvel saber qual o resultado da experiencia - ou fazer conjecturas crdediveis, por falta de dados, antes
      de a realizar. Um acontecimento aleatório é um conjunto de resultados possıveis da experiencia aleatoria. Não é desse tipo de acontecimento que estamos a falar no caso da evolução por selecção natural, embora existam acontecimentos aleatórios a influenciá-la. Isto é relevante, pois todos os calculos probabilisticos que foram feitos são baseados num pressuposto que está errado - de que a selecção natural é aleatória. Também muitos argumentos criacionistas são baseados neste pressuposto errado.

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  2. Estou correcto se afirmar que a evolução por selecção natural selecciona de entre as mutações "aleatórias" (tenho muitas dúvidas sobre este conceito e espero retornar à discussão sobre ele) aquelas que melhor permitem a sobrevivência num determinado ambiente?

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    1. O facto das mutações serem totalmente aleatórias é discutível, pois dependem da acção de determinados agentes sobre um genoma específico pre-esxistente. Os agentes podem ser retrovirus, radiações, substancias químicas/orgânicas... De qualquer modo, a acção da selecção natural não é aleatória e isso é fundamental para a compreesão da evolução.

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    2. Além disso, não actua sobre 'mutações', mas sim sobre o fundo genético das populações.

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  3. O que é que significa exactamente que a acção da selecção natural não é aleatória?

    nem mesmo num momento inicial teve uma base aleatória?

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    1. leia isto: http://allthatmattersmaddy32.blogspot.pt/2012/08/evolucao-vs-probabilidades_6.html

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  4. muito obrigado, li agora mesmo

    contudo, quando se fala em probabilidades, de um certo modo já estamos a falar em aleatoriedade, pelo menos em termos epistemológicos

    o que questiono é o próprio conceito de aleatoriedade

    é apenas o desconhecimento de todas as variaveis (teoria das variáveis ocultas) de um dado sistema?

    isto é, quando a vida surgiu, parece que ela evoluiu de um modo em que as espécies mais adequadas a um certo ambiente tendem a sobreviver mais eficazmente nesse meio ambiente

    mas o problema do inicio mantém-se

    é óbvio que em ultima análise parece poder questionar-se no fundo a origem do universo (no pressuposto que depois do big bang tudo o resto se encontra determinado)

    contudo a física quântica actual coloca em causa esse modelo quando considera uma evidência científica o aparecimento e desaparecimento espontâneo de partículas subatómicas, o que parece dar consistência a um universo nao determministico (também chamado um universo irregular)

    será essa componente "aleatória" uma das componentes da teoria da evolução por selecção natural que se consubstaciaria nas mutações aleatórias?

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    1. Exactamente por estarmos a falar em aleatoriedade quando falamos nas probabilidades é que o argumento probabilistico cai por terra - a Evolução por selecção natural não é no seu todo um processo aleatório. Não se conhecem obviamente todas as variáveis que interferiram nos processos evolutivos, no entanto já se conhecem algumas, pelo que a questão das váriáveis ocultas não parece aplicar-se.
      Existe de facto uma componenete aleatória na TE, no entanto, a maioria dos factores não são aleatórios. Sobre as mutações, a aleatoriedade é discutivel pelas razões que já referi superficialmente.

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  5. mas está a falar em aleatoriedade epistemológica ou ontológica, isto é estão presentes na TE variáveis que se desconhecem mas que seria possível conhecer todas se se dispusesse de meios adequados ou essas variáveis são ontológicamnete aleatórias 8e então discutiriamos esta aleatoiedfade)?

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    1. como já referi, os processos da TE têm componentes não aleatórias (uma maioria), sobre as quais alguns factores influentes são conhecidos. É aceite pela maioria dos proponentes da TE (sendo uma maioria entre a comunidade cientifica) que existem aconteciemntos 'verdadeiramente' aleatórios preponderantes na sobrevivencia de especies e especiação, o que não quer dizer que o conheciemnto sobre os factores influentes não possa num futuro apontar para que os acontecimentos aleatórios sejam acontecimentos dos quais não se conhecem as causas e que não há aconteciemntos 'verdadeiramente' aleatórios.

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    2. Quando me refiro a acontecimentos 'verdadeiramente' aleatórios, estou-me a referir a um conjunto de resultados possıveis da experiencia aleatoria, isto é, cujos resultados são incertos. No entanto estou convicta de que num futuro, esses resultados comecem a deixar de ser incertos, tanto quanto a evolução deixará de o ser para os criacionistas - o que nos remete para a teoria das variáveis ocultas.

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  6. não pensa portanto que a aleatoriedade "verdadeira" (a da física quântica) tenha (ou tenha tido - ao longo da história do universo) qualquer influência na TE?

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    1. Penso que a referida aleatoriedade influencia todo o processo, no entanto, penso que quanto mais se conhece sobre os factores determinantes de certos acontecimentos mais fenómenos não aleatórios se descobrem - não obrigatoriamente até ao nível atómico e não obrigatóriamente generalizando. É esta a minha opinião...

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    2. Isto porque há acontecimentos a nível atómico que penso que no nosso nível de compreesão actualmente (e mesmo num futuro medianamente próximo) não são atingíveis, no entanto, penso que é possível que alguns não sejam 'verdadeiramente' aleatórios, mas mais uma vez, não pretendo generalizar.

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    3. *correcção: não afecta 'todo o processo', mas sim 'parte do processo'

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  7. ok. obrigado.

    tenho algumas dúvidas sobre o conceito de "aleatoriedade" quântica mas este não é o objecto central deste debate (embora me pareça essencial se a Te não é completamente determinista)

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    1. A verdade é que também tenho dúvidas nesse aspecto, por isso mesmo não quis generalizar.

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    2. (Penso que ambos os tipos de aleatoriedade - a aleatoriedade por ignorancia e a verdadeira aleatoriedade (mecanica quantica) podem coexistir, em diferentes níveis, dependendo do acontecimento que se pretende definir: um acontecimento pode não ser aleatório - o exemplo da formação de uma sequencia de RNA ou DNA e de enantiómeros é o melhor exemplo de aleatoriedade por ignorancia (o que se pensava terem sido ocorrencias aleatórias, é actualmente discutivel se de facto todos os processos envolvidos foram aleatórios), no entanto, os acontecimentos a nível subatómico que ocorrem nas próprias substâncias podem ser aleatórios. Por exemplo no caso dos enantiómeros - porque é que só temos LD? Aleatóriamente seria praticamente uma impossibilidade; no entanto, se estes se formaram sobre planos com a configuração que estes adequiriram, não se pode dizer que este acontecimento (formação de enqantiómeros LD) tenha sido aleatório, pois tem uma causa possivel que pode ser definida.)

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    3. Penso que se ler isto, pode ajudar a compreender:
      http://www.ruckert.pro.br/blog/?p=2810 (o autor é um cientista - físico e matemático)

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    4. *causa possivel que pode ser determinada e que determina a configuração LD

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