terça-feira, 11 de setembro de 2012

Evolução vs Design inteligente II: Evolução Natural de Estruturas Complexas (parte 2)

A EVOLUÇÃO NATURAL DA CASCATA DE COAGULAÇÂO SANGUÌNEA:

Nos mamíferos, o coágulo de sangue é formado pela fibrina, uma proteína fibrosa que se agrega em molhos densos. Normalmente, esta proteína está no sangue na forma de fibrinogénio, tendo um trecho de aminoácidos carregados que impede essa agregação, e é activada pela trombina, uma protease que corta esse pedaço. Por sua vez, a trombina é activada pelo factor X e o factor X pode ser activado por uma de duas outras proteases, também normalmente inactivas, o factor IX ou o factor VII. O factor VII é activado por contacto com proteínas solúveis dos tecidos que só aparecem no sangue em caso de hemorragia interna. O factor IX é activado pelo factor XI, que é activado pelo factor XII, que é activado quando o sangue é exposto ao ar ou a um corpo estranho. O mecanismo parece excessivamente complicado, mas faz sentido porque a cada passo de activação há uma amplificação do sinal. Se cada protease activar 10 moléculas, cada factor XII que se active levará à formação de cem mil moléculas de fibrina. Isto permite uma resposta rápida e excelente às hemorragias, com óbvias vantagens evolutivas para o organismo.

A explicação científica é que estes factores evoluíram por duplicação genética e acumulação de mutações, como evidenciado por serem praticamente todos proteases de serina e muito parecidos entre si. Algumas proteínas teriam tido origem em proteínas usadas na digestão.

Assim, num antepassado comum o mecanismo de coagulação era mais simples mas, por duplicação dos genes e acumulação mutações pontuais, estas proteínas foram se especializando e aumentando a eficácia do sistema.

Se existir uma forma inteligente que optimizou a coagulação, espera-se encontrar este sistema generalizado pelos animais cujo sangue coagula. Em contraste, se o mecanismo evoluiu pela acumulação e selecção de mudanças genómicas, devemos encontrar mecanismos diferentes, de diferentes complexidades, em linhagens diferentes. E é isso que se verifica. Por exemplo, em alguns invertebrados o sangue coagula pela agregação dos glóbulos brancos, naturalmente ‘adesivos’. Como a pressão sanguínea destes animais é baixa, este sistema, mesmo que pouco inteligente e relativamente ineficiente é suficiente para a manutenção da sua vida.
Se o mecanismo de coagulação dos mamíferos evoluiu por duplicação de genes e acumulação de mutações, será de esperar que se possa construir uma árvore filogenética, baseada na homologia. Os dados favorecem a evolução natural. Todas as proteases de serina da cascata da coagulação são homólogas da tripsina, uma protease pancreática, mostrando que não foram projectadas especificamente para a coagulação mas adaptadas de mecanismos pré-existentes.



Por análise comparativa: genes duplicados, subfuncionalizados e neofuncionalizados.

Este processo de evolução também implica que o fibrinogénio descenda de alguma proteína com outros propósitos e da qual se deve poder encontrar vestígios. Assim é. O pepino-do-mar, por exemplo, não tem proteínas de coagulação mas tem variantes do fibrinogénio.

Além de tudo isto, Doolittle realizou experiencias em ratos aos quais faltavam 1 ou 2 elementos na cascata de coagulação. Estes sobreviveram e o sistema (menos eficiente) continuou a funcionar.



A EVOLUÇÃO NATURAL DO CICLO DE KREBS:





Em alguns sistemas, existe uma via chamada hunt glioxilato, que consiste deum atalho de todo o ciclo. Outras vias variantes existem. Então, ao invés de ser um projeto mínimo fixado, o ciclo de Krebs é uma das várias alternativas. Além disso, algumas espécies podem passar sem um ciclo de Krebs completo.


Algumas bactérias anaeróbias atuais possuem todas as enzimas do ciclo de Krebs excepto uma, aα-cetoglutarato desidrogenase. Eles não são capazes de realizar respiração, mas utilizam estas enzimas para sintetizar intermediários importantes na síntese de aminoácidos, nucleotídeos, etc. Sem completar o ciclo de Krebs os organismos são forçados a conservar energia por fermentação com o qual é possível produzir apenas dois ATP por molécula de glicose. O surgimento da α-cetoglutarato desidrogenase tornou a bactéria capaz de efetuar o ciclo de Krebs e com isso produzir mais de 16 vezes a energia que as bactérias anaeróbias. O complexo daα-cetoglutarato desidrogenase, ausente nas bactérias anaeróbicas, provavelmente (por análise comparativa) evoluiu do complexo da piruvato desidrogenase que existe nos anaeróbios parentes dos aeróbios. A evolução do ciclo de Krebs e, posteriormente da mitocôndria foi tão vantajosa que deu origem a quase toda a diversidade biológica que conhecemos hoje, uma vez que a mitocôndria está presente em quase todos os protoctistas e em todos os fungos, plantas e animais.

Não significa que as caracteristicas das estruturas tenham que ter sido obrigatóriamente seleccionadas por desempenharem essa função – as proteínas ancestrais podem ser seleccionadas por desempenharem outras funções, mas podem ocorrer modificações e chegar a determinado ponto em que mais alguma mudança pode ocorrer e transformá-la de modo a desempenhar tal função.

Um estudo recente demonstrou que transferência genética horizontal conferiu metabolismo fermentativo respiratório a tripanossomatídeos Phytomonas serpens através da aquisição de uma enzima essencial á fermentação alcoólica – de uma fitobacteria dadora para um receptor tripanossoma ancestral, que ocorreu antes da separação entre Phytomonas, Leishmania e Crithidia.

Outro estudo (Melendez, 1996) afirma:
The evolutionary origin of the Krebs citric acid cycle has been for a long time a model case in the understanding of the origin and evolution of metabolic pathways: How can the emergence of such a complex pathway be explained? A number of speculative studies have been carried out that have reached the conclusion that the Krebs cycle evolved from pathways for amino acid biosynthesis, but many important questions remain open: Why and how did the full pathway emerge from there? Are other alternative routes for the same purpose possible? Are they better or worse? Have they had any opportunity to be developed in cellular metabolism evolution? We have analyzed the Krebs cycle as a problem of chemical design to oxidize acetate yielding reduction equivalents to the respiratory chain to make ATP. Our analysis demonstrates that although there are several different chemical solutions to this problem, the design of this metabolic pathway as it occurs in living cells is the best chemical solution: It has the least possible number of steps and it also has the greatest ATP yielding. Study of the evolutionary possibilities of each one - taking the available material to build new pathways - demonstrates that the emergence of the Krebs cycle has been a typical case of opportunism in molecular evolution. Our analysis proves, therefore, that the role of opportunism in evolution has converted a problem of several possible chemical solutions into a single-solution problem, with the actual Krebs cycle demonstrated to be the best possible chemical design. Our results also allow us to derive the rules under which metabolic pathways emerged during the origin of life.

Nota: opportunismo evolutivo - coopção de componentes existentes com funções diferentes e reorganização para desempenhar novas funções no ciclo de Krebs.

É importante perceber a perspectiva de que, de todas as alternativas conhecidas, a selecção natural favoreceu a ocorrencia do ciclo de krebs.

Ainda há dúvidas quanto á evolução natural do ciclo de krebs?

Tudo isto leva a poder afirmar que trocas de material genético (que codificavam proteínas que até poderiam desempenhar outras funções ou semelhantes noutro contexto ou não), duplicações, recombinações, e mutações pontuais são processos naturais que podem ter contribuído para a evolução de sistemas complexos - mas não irredutivelmente complexos, pois está claramente demonstrado que esta hipótese sempre que testada se mostrou falsa.

Existe ainda o caso da ATP sintase que foi também referida como sendo irredutivelmente complexa – o que mais uma vez não corresponde á realidade, tendo sido indiciada mais uma vez a ancestralidade comum com outras proteínas (por análise comparativa), sendo observada uma grande divergência, o que leva inferir que divergiram quando a vida (como a conhecemos) possivelmente ainda não existia – possivelmente essa forma de vida não necessitava da degradação de ATP (pelo menos através da ATP Sintase).

Além desta pode destacar-se também o flagelo bacteriano que evoluiu a partir de precursores relativamente simples por sucessivas duplicações e alterações posteriores.


Estas duas estruturas serão futuramente abordadas neste blog (possivelmente só no começo do próximo Verão devido a uma coisinha chamada universidade)

A ocorrencia de duplicação e divergencia, recrutamento de material viral, Splicing alternativo e recombinação de exões, transferencia horizontal e mutações que aperfeiçoam funções (tudo isto observado na natureza) não podem ser inventadas para fornecer uma explicação naturalista – elas ocorrem na natureza e há evidencias de que tenham originado sistemas complexos a partir de sistemas mais simples.


No entanto alguém pode ainda afirmar que é difícil (se não impossível o surgimento) gradual certas estruturas – a evolução natural não é obrigatoriamente um processo muito gradual – genes duplicados tendem a ter uma evolução acelerada. A evolução natural nada tem de impossível – os mecanismos conhecidos por si só (cada um) podem não conseguir explicar tudo, mas todos combinados (como exemplo abstracto: duplicação, transferência horizontal, Splicing alternativoe recombinação de exões e mutações em menor escala), poderão fornecer uma explicação cientificamente aceitável para o nível actual do conhecimento humano.

Se ainda restam dúvidas de que a ancestralidade comum (a partir de um ancestral funcional) e os resultados das análises comparativas deitam a baixo o argumento da complexidade irredutível, atentemos no argumento central do autor da ‘Caixa Preta de Darwin’: “(…) any precursor to an irreducibly complex system that is missing a part is by definitionnonfunctional.” - nunca teria existido um precursor de sistemas irredutivelmente complexos porque este seria por definição não-funcional. Alem das evidências a favor da ancestralidade comum, há evidências de um ancestral comum funcional – apenas com uma função menos complexa.




Referencias:

1) Xu, Doolittle, Presence of a vertebrate fibrinogen-like sequence in an echinoderm. PNAS 87(6):2097-101, 1990.
2) Texto de Ken Miller - The Evolution of Vertebrate Blood Clotting («Finding Darwin's God»)



3) Horizontal gene transfer confers fermentative metabolism in the respiratory-deficient plant trypanosomatid Phytomonas serpens - Ienne S, Pappas G Jr, Benabdellah K, González A, Zingales B. - Infect Genet Evol. 2012 Apr;12(3):539-48. Epub 2012 Jan 25.




4) The puzzle of the Krebs citric acid cycle: assembling the pieces of chemically feasible reactions, and opportunism in the design of metabolic pathways during evolution - Meléndez-Hevia E, Waddell TG, Cascante M. - J Mol Evol. 1996 Sep;43(3):293-303.





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